Em publicações e sites franceses, não é raro ver, no organograma de empresas, estabelecimentos de ensino, bancos e outras instituições públicas ou privadas, o sobrenome dos dirigentes escrito inteiramente em letras maiúsculas. Da mesma forma, quando se preenche um formulário, é frequente haver um campo “NOM Prénom”, indicando que o sobrenome deve ser escrito todo em caixa-alta e o primeiro nome, apenas com inicial maiúscula.
O hábito é antigo, e as explicações nem sempre coincidem. A razão principal parece ser que escrever o sobrenome em caixa-alta não deixa margem a ambiguidades.
Primeiro, porque muitos nomes próprios podem ser tanto prenomes como sobrenomes. Étienne, François, Gauthier, Gérard, Joseph, Laurent, Marc, Marie, Martin, Olivier, Philippe e Simon são apenas alguns exemplos.
A isso se soma o fato de que, na França, em situações administrativas, o sobrenome geralmente vem antes do nome, um hábito que já começa na lista de chamada da escola maternal. Resultado: quando um francês declara que seu nome é Olivier Laurent, nem sempre é possível saber qual é o nome e qual é o sobrenome.
Meu pai, médico, era conhecido como Dr. Osvaldo. Nunca ninguém o chamou de Dr. Marques. Dos colegas dele, só os que tinham sobrenome diferentão eram chamados pelo sobrenome. Lembro do Dr. Canellas e do Dr. Milagres.
Isso seria impensável na França. Fico até sem jeito quando tenho que chamar minha médica, uma moça toda bonitinha, de docteure Bernard, um nome tão masculino.
Outra justificativa para o uso de caixa-alta nos sobrenomes é no caso de nomes estrangeiros que soem raros ou sejam exóticos, agravado pelo fato de que, em muitos países (da Ásia e da África, por exemplo), as pessoas se apresentem dizendo o sobrenome antes do nome ou simplesmente dizendo o sobrenome.
Se alguém se apresentar como Wong Sun ou ou escrever Diarra Keba na linha “nome completo” de um formulário*, como alguém não habituado a culturas distantes pode distinguir o que é nome do que é sobrenome?
Muitos franceses argumentam que a prática de escrever o sobrenome em caixa-alta deveria se limitar a contextos administrativos, mas o hábito parece estar bem arraigado na cultura. Acredito que isso mude, aos poucos, com as próximas gerações.
Na tradução para o português, recomendo adaptar os sobrenomes ao uso no Brasil, ou seja, colocar apenas a inicial em maiúscula. Caso o sobrenome seja apresentado antes do nome, inverta a ordem, como neste exemplo:
Charles DUPONT > Charles Dupont
DUPONT Charles > Charles Dupont
Mas é bom saber: nem sempre o cliente aceita a mudança e, muitas vezes, o documento final é publicado com todos os sobrenomes em caixa-alta.
E não se esqueça: o que no Brasil chamamos de “sobrenome”, em Portugal se diz “apelido”. E o que no Brasil é “apelido”, em Portugal é... não sei! Ou melhor, sei mais ou menos, mas prefiro não falar besteira.
Alguém me ajuda?
–––– Editando o post para agradecer à Ana Silva Dias (Anadiastrad no LinkedIn), que confirmou: em Portugal, “apelido” se diz “alcunha”.
E por falar em nomes e sobrenomes, já apareceu, em algum texto a traduzir, um nome que você não sabe se é feminino ou masculino? Comigo, volta e meia acontece. O que fazer nesses casos, principalmente se o texto não trouxer nenhum complemento gramatical (artigo, adjetivo, pronome) que, pela concordância no masculino ou feminino, possa esclarecer a dúvida?
O primeiro passo é manter o desconfiômetro ligado. Muitas vezes, sob a influência de nossas próprias experiências, tiramos conclusões precipitadas.
Digamos que a seguinte frase apareça no texto que você está traduzindo:
L’artiste Sofiane Dupont a salué la création du nouveau module de financement.
Instintivamente, você acha que Sofiane é um nome feminino ou masculino? Tempos atrás, eu provavelmente teria respondido que Sofiane é feminino, guiada pela sonoridade do nome (Sophie + Anne). Mas, como tive *um* colega de faculdade que se chamava Sofiane, sei que é um prenome masculino de origem árabe relativamente comum. E você, teria pesquisado para saber se devia usar “O artista” ou “A artista” na tradução?
E a pergunta que não quer calar: pesquisar como?
Quando a pessoa é conhecida, não é difícil fazer uma busca pelo nome. Recentemente, traduzi um texto que mencionava uma pessoa chamada Shashank Samala. Ele (sim, um rapaz, apesar de ter um nome tão cheio de A, vogal geralmente associada ao feminino em português) não chega a ser uma celebridade, mas vem realizando um trabalho importante, e foi fácil encontrar artigos sobre ele.
Mas há pessoas que nem com muita pesquisa conseguimos localizar na internet, por exemplo uma modesta médica que atenda crianças carentes de um minúsculo vilarejo africano ou um discreto estudante de arquitetura vietnamita. Para esses casos, só conheço uma técnica: fazer uma busca com o nome e clicar em “Imagens”. Costuma funcionar, porque a página de resultados apresenta uma predominância de rostos femininos ou masculinos, mesmo que não seja exatamente a pessoa mencionada no texto.
Quando nenhuma dessas estratégias dá certo, o jeito é perguntar ao cliente.
É possível que existam outras técnicas tão ou mais eficazes. Se você conhecer alguma e quiser compartilhar, use o espaço de comentários no final da página.
E como um assunto puxa outro...
Na França, quando se quer soletrar uma palavra ou um nome, geralmente usam-se nomes próprios (prenomes) para especificar cada letra:
Essa é uma das grades possíveis, mas existem outras (A comme Albert, B comme Bernard etc.). Confesso que sempre me atrapalho. Prefiro a facilidade do sistema brasileiro: B de bola, D de dado, N de navio e por aí afora.
* Nos formulários franceses, é comum que, antes das linhas NOM e Prénom, a pessoa precise indicar a civilité. Consulte exemplos do uso e possíveis traduções desse termo no guia Nas Entrelinhas.
E nesta página, veja como abreviar.
E o que mais? / Et quoi encore ?
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Ótimo texto! Na Itália se soletra con nomes de cidades italianas, é super fácil, ninguém tem que ficar pensando em um substantivo, e é suficiente dizer o nome da cidade, não precisa dizer R de Roma. Geralmente as cidades são as principais, como Napoli, Milano, Roma, Bologna, Firenze, Torino, Genova..... mas não há cidades para todas as letras. Q, por exemplo, vira QUADRO, H vira Hotel, J é Jey. Meu nome é Roma, Empoli, Genova, Imola, Napoli, Ancona!