Lá vem aquele papo de que a pulga atrás da orelha é a melhor amiga do tradutor…
Pois é. Peço licença para bater na mesma tecla porque, mais do que uma amiga, a pulga atrás da orelha é uma companheira indispensável no caso de línguas aparentadas, como o francês e o português. O risco é grande de se deixar enganar pela semelhança entre palavras ou por sua aparente banalidade.
Não vai faltar quem diga que, ao elaborar o Entrelinhas, eu não precisava ter perdido tempo com verbetes como accompagner, évoluer, sucrer ou ventilation, termos com equivalentes em português. Vou explicar por que não é bem assim.
Há alguns meses, eu e uma colega refletíamos sobre como traduzir a seguinte frase: [Fulana morreu] “d’une attaque le mois dernier”. Agora me diga: na sua opinião, o que matou a personagem? O que é “um ataque” em português e une attaque em francês?
(Por enquanto vou deixar o suspense, mas prometo postar, em breve, uma análise sobre os sentidos de attaque. Aguardem!)
Outro bom exemplo é o prosaico bonjour.
Lembro perfeitamente de ter traduzido, há muitos anos, um discurso proferido por um empresário na abertura de uma cerimônia. Começava assim:
Bonjour Mesdames, bonjour Messieurs,
Merci d’être présents ici ce soir (...)
Nesse caso, seria um erro traduzir bonjour por “bom dia”: soir indica que a cerimônia foi realizada à noite.
Quem vive na França, sabe que não é raro ouvir bonjour como cumprimento a qualquer hora do dia ou da noite. Quem não sabe ou não mora na França, não vai cair na cilada se ligar o desconfiômetro. Primeiro, ficando atento aos sinais que o contexto oferece; em seguida, lendo nas entrelinhas, questionando obviedades, verificando até o que, aparentemente, não precisar ser verificado.
(Abro outro parêntese para fazer mais uma promessa: a de escrever um post sobre bonjour, completando o verbete publicado no guia Nas Entrelinhas. Aguardem também!)
Falando nisso, já reparou que o francês só diz “boa tarde” (bon après-midi) para se despedir? Quando duas pessoas se encontram às três da tarde, por exemplo, costumam dizer bonjour (ou um equivalente, como salut etc.). Ao se separarem, no entanto, é comum dizerem bon après-midi (ou bonne journée, à bientôt etc.).
* A foto que abre este post foi tirada por mim, numa rua pertinho de casa, a menos de dez minutos a pé. Se quiser conferir no Google Maps, procure a rue de Belleville, esquina com a rue Julien Lacroix, em Paris. Fica na altura do n° 57 da rue de Belleville. Faz uns dez anos que vi esse painel pela primeira vez, mas ele já está lá no alto do prédio desde 1993. Clique aqui para saber mais.
E o que mais? / Et quoi encore ?
· As palavras e expressões que aparecem em itálico e na cor verde (ou melhor, quase sempre na cor verde – depende das configurações de cada um) são verbetes apresentados no Entrelinhas. Como o Substack não oferece muitos recursos de formatação de texto (nem sublinhar eu posso!), o único jeito que encontrei para destacá-las foi criar links para o livro. Os links para outras páginas também aparecem na cor verde, mas em caracteres não itálicos.
· Os artigos publicados na página do Substack e enviados por e-mail aos assinantes são gratuitos. Por iniciativa própria, o Substack incentiva os leitores a pagarem pelo conteúdo, o que talvez assuste ou irrite certas pessoas. Calma. Se algum dia eu ativar o pagamento, vai ser só para quem quiser e puder.
Adorei, querida, que alegria te ler e ver nascer esse projeto tão maravilhoso! Sou sua fã, como já deve ter percebido. E AMO as nossas trocas.